Iansã
- Liah Santana
- 8 de nov. de 2019
- 3 min de leitura
Sempre tive uma relação com a chuva. Não sei se pela minha mãe ser filha de Iansã ou por eu ser filha da minha mãe. Romantizar tudo é algo que ela faz muito bem e herdei isso desde pequena. Os clichês de filmes e livros de romance sempre rondaram meu imaginário, com toda aquela pompa de passar por desafios para conquistar o coração de alguém amado. Não atoa meus melhores momentos de amor foram nas breves temporadas de chuva que passavam pela minha cidade.
Hoje acho hilario idealizar que estar encharcada e na mira de raios seja um momento propicio para demonstrar meu afeto, mas na adolescência tudo que eu queria era uma boa historia de amor, emocionante e clássica.
Na primeira chance que tive, aos 15, enquanto todos corriam para proteger os cabelos escovados e roupas caras durante uma festinha de fim de semana, tasquei um beijo no meu namorado da época com direito a gritos de amigos e um vídeo em que só se vê dois vultos bobos molhados no meio do temporal.
Desde então, se tornou uma coisa nossa fazer metáforas e mais metáforas envolvendo frio e outros fatores climáticos. Meus cadernos ficaram cheios de desenhos e poemas mal feitos inspirados por momentos que na verdade nunca passei.
Logo depois ganhei o livro "Diário de uma Paixão" e virou um ritual tomar chá enquanto relia a cena em que eles consumavam seu amor ao som das gotas batendo no vidro. Oh se eu me derreti pela idealização da primeira vez perfeita que já vos adianto que não aconteceu.
No ano seguinte, o clima pareceu simbolizar muito bem os sentimentos conflitantes que, junto a explosão de hormônios, me fizeram terminar a relação. Conversamos por poucos minutos, em meio a lagrimas e tremores. De repente ele se levantou bruscamente e foi embora. O céu já desabava em água e tudo que vi foi meu amor se jogando ao mar para se afastar de mim. Dramática, né? Mas quem poderia negar drama a uma jovem de coração partido?
Um tempo depois, conheci o Sr. Vinho, que aquecia mais que qualquer cobertor. Me sentia a própria jornalista novaiorquina, usando longos casacos e bebendo com os amigos pelas ruas da cidade enquanto sonhávamos com o futuro. Obviamente tudo escondido dos nossos pais que deviam se questionar porque precisávamos tanto de longas botas no calor do nordeste brasileiro.
Ah como ria e dançava nesse clima de juventude que mais parecia um sopro divino. Fumava e bebia e me aconchegava em braços de desconhecidos para fugir de qualquer chance de não ser feliz. Tiveram tantos flertes e momentos mágicos que nem me lembro, provavelmente por causa do álcool.
Aos 18, entrando na faculdade esperançosa de conhecer o príncipe encantado, finalmente bati de cara com o mundo real. O moço com quem troquei carinhos e palavras de profanos significados era tanto sádico quanto cético. Era eu com poesia barata e ele com uma vontade de conquistar o mundo. Ai não teve jeito, joguei longe a ideia de romance a moda antiga e mergulhei numa relação que não combinava com casaquinhos sobre poças.
Hoje eu já passei por coisas demais, relações e conflitos existênciais que davam pra causar inchente até nas cidades mais preparadas. O que sobrou foi a lembrança, o frio na barriga e as velas toda quarta porque quem sabe a deusa dos raios possa me amparar.
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