Alcoólicos
- Liah Santana
- 29 de jul. de 2019
- 4 min de leitura
Sabe o ditado "dessa água não beberei"? Pois é, a água virou vinho e eu bebi até acabar. Foi um mês antes de completar meus quatro anos de sobriedade, num dia de terça tão frio que dava até vontade de pagar alguém para me abraçar por umas horinhas. Tava passando uns dias com o meu amigo ex-colorido e sua antiga equipe de programação, fumando muito e jogando como sempre fizemos. Parecemos muito com os personagens das series que eu costumava assistir na adolescência e com certeza eu seria a do tipo estranha que aparece em cena só para fazer todos rirem sem contexto algum. Já meu amigo seria o protagonista que todo mundo quer ser, com as melhores historias e o poder de tornar todos os que o cercam um pouco mais interessantes só por fazer parte de sua vida.
Enfim, tava lá tranquila bolando nosso quinto ou sexto beck da noite quando entraram numa de falar sobre o quanto é bom beber. Nisso eu tive parte da culpa, já que relembrei nossa primeira noite juntos em que acabei vomitando no casaco de um garoto que nunca mais voltou a aparecer por lá e que não acreditei quando me disseram que foi por puro nojo do acontecido.
Todo mundo na seca e eu na abstinência frenética, cada um com uma historia de porre pra jogar na roda. O mais novo contou sobre quando deu virote numa festinha com a namorada e entrou no famoso panico por achar que ia ser pai, mas que no fim o enjoo era só ressaca mesmo. Nisso um outro emendou de que, depois de virar uma garrafa de vodka, terminou um namoro de dois anos para beijar um cara que nem conhecia e acabou ficando com tanta gente que nem lembra. Um outro contou que da ultima vez que encheu a cara acabou chorando por não lembrar onde morava e dormiu na calçada do bar agarrado com sua garrafa vazia. Me identifiquei um pouco com cada um e as historias seguiram o rumo de quem parecia ter a pior.
O anfitrião logo se animou para falar da época em que bebíamos juntos e das loucuras em que eu o metia. Citei que não me arrependi de nada, nem mesmo das vezes que beijei estranhos por caronas gratuitas já que fez um bem maior ao grupo. Todos riram muito das nossas encenações de como eu me jogava de um canto a outro das festas, beijando e dançando cambaleante. Não demorou para me perguntarem o porquê de não beber mais, já que parecia tão mais animada naquela época. Realmente, eu era muito mais divertida e agitada quando tomava garrafas inteiras de licores ou secava latinhas de cerveja sem parar. Também era mais jovem e ingenua naquela época.
Desconversei na base de piadas sexuais problemáticas e esteriótipos machistas de maturidade feminina que na verdade não respondiam nada, mas serviram para mudar o assunto e me dar tempo para pensar sem intromissões. A verdade é que nunca realmente me permiti questionar o que me fez passar da garota que bebia antes de ir para a escola de manhã para a mulher que comemora aniversários de sobriedade com uma certa religiosidade. Talvez o simples fato de racionalizar me dê medo de voltar atras numa decisão que parece certa por si só, o que me parece bem tipico para uma jovem adulta confusa.
Jogamos até tarde mas não até amanhecer pois, diferente de mim que estava desempregada e sem rumo, todos os outros tinham que voltar a suas vidas ocupadas no dia seguinte. Dormi lá mesmo, abraçada a um dos gatos que adotamos enquanto família temporária, e só fui para minha casa no final da tarde seguinte. Foi difícil deixar aquele ambiente que tanto me lembrava os sonhos da juventude para retornar a casa dos meus pais onde precisava demonstrar uma falsa intensão de produtividade.
A partir dai não sou a narradora mais confiável pois os fatos se confundem um pouco. Não sei ao certo se foi no caminho até o mercado ou já indo para meu apartamento que parei para refletir a função do álcool na minha vida. Organizando os pensamentos posso dizer que a linha que segui foi mais ou menos a de que se não tivesse bebido tanto na juventude não teria crescido o suficiente para decidir parar e se não tivesse parado talvez não percebesse isso. É confuso mas o motivo da minha obsessão por manter essa sobriedade fajuta, considerando que as drogas só fizeram cada vez mais parte do meu cotidiano, ta mais ligado ao meu ego do que ao meu autocuidado. A sensação de que tinha tudo sobre controle não passava disso mesmo: uma sensação para me deixar mais calma.
Naquela noite eu bebi sozinha, trancada em meu quarto que na verdade de meu não tinha nada já que não habitava nele a meses. Chorei também, como uma boa bêbada em negação tinha que fazer. Abracei a garrafa na esperança que me aquecesse sem razão. Me lembro de acordar com pontadas no estomago e a cabeça latejando, me senti uma adolescente de novo. Olhei em volta e para a minha surpresa só tinha uma grande garrafa de água, vazia, ao lado do meu colchão. Não sei ao certo se tentei me enganar cobrindo os vestígios de forma ardilosa demais para o estado em que fiquei ou se genuinamente o universo me presenteou com a ilusão de, só por uma noite, testar minhas certezas e me deixar a prova final de que as coisas só fazem sentido quando queremos que elas façam.
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