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Casa

  • Foto do escritor: Liah Santana
    Liah Santana
  • 10 de mar. de 2019
  • 3 min de leitura

Dez dias se passaram e nada me foi dito sobre aquela maldita casa. No inicio acreditei que era falta de sinal mas agora já acho que é maldade mesmo. Não basta a morte repentina dos meus pais, ainda tenho que esperar que os trastes dos meus irmãos me situem de com quem devo brigar. Mal tive tempo para refletir o luto em si, eles estavam tão bem! Na verdade, não tenho certeza, mas é o que me transpareciam nas ligações. Depois que vim morar na van ficou difícil me comunicar com eles, não por falta de recursos mas pela relação fudida que criamos. Eu me sinto um pouco culpada de não estar perto para me despedir de verdade, apesar de tudo os dois me criaram da forma que sabiam.

Nem mesmo sei se morreram juntos ou teve um tempo entre um e outro. Ninguém me conta nada. É muito fácil para os outros dois fingirem que eu abandonei a casa depois de terem fugido de forma mais sutil: mudando pra outro bairro mas correndo pra mamãe no primeiro problema. Sei que deve estar sendo assustador viverem sem ela, só queria que não descontassem em mim. Talvez eu tenha cometido alguns erros que não ajudam meu lado. Me manter chapada foi um deles: fez tudo parecer fácil. Um outro foi ter seguido meus sonhos sem pensar muito, com certeza esse foi o pior. No inicio eu achei que voltaria para casa logo, que só iria acampar um pouco e logo sentiria falta da minha cama. Simplesmente não pensei que gostaria tanto dessa liberdade e independência. Também não contei com o fato de me apaixonar pelo meu "colega de quarto" e começarmos um romance. Acho que você gostaria de conhece-lo, é um escritor maravilhoso e um cara incrível, principalmente quando se trata de fazer os outros se sentirem especiais. Eramos nos e mais dois amigos, que para mim eram como parentes próximos.

Fomos juntos a varias praias, cada vez mais longe e voltar já não fazia sentido. De repente já tinham se passado mais de três meses e colocamos teto solar e mais um monte dessas coisas que hoje você vê aqui. Meu pai não aceitou muito bem quando disse que continuaria vivendo em todos os lugares por mais um tempo. Ai foi o momento de decidir onde era meu lar, o que para minha mente drogada foi fácil. Como eu disse: muitos erros.

Até o primeiro ano tudo parecia um ótimo sonho, teve uns perrengues mas no geral era tudo perfeito, sabe? Cada um tinha seu jeito de viver e se relacionar mas ornava bem no conjunto. Saiamos, ficávamos com diversas pessoas, festejávamos até amanhecer e depois sentávamos na van para conversar sobre tudo. Ficava horas falando de veganismo com o mais lucido do grupo, nossa princesa me contava sobre seus "Sugar Daddy" e nossas jovens mentes suicidas se acalmavam um pouco. As coisas só começaram a desandar antes de chegar em uma cachoeira que planejamos ir de ultima hora no terceiro ano de camping. Eu e o charmoso estávamos cada vez mais distantes, eu tentava conversar mas só recebia respostas curtas e caras sérias. Dois dias antes de juntarmos tudo pra botar a van na estrada ele finalmente me falou que não queria mais ficar comigo, que já tava virando sério e não queria esse tipo de relação. Hoje entendo que somos melhores como amigos, inclusive adoro a esposa dele, mas na época surtei um pouco por não compreender como eu via liberdade e ele via prisão. Acredita que fomos assim mesmo? Pois é, era difícil dizer não para aqueles três. Aproveitamos aquelas águas ao máximo, com muito amor e cuidado entre todos, nem parecia o fim. Depois disso voltamos para um dos pontos fixos e a rotina ficou estranha. Paramos de contar sobre nossas vidas um pro outro e acabou que viramos uma família comum. Nunca vou esquecer daquele tempo juntos, mesmo cada um tendo procurado coisas diferentes depois. Foi quando o ultimo me deixou que comecei esse sistema de carona, para me sentir menos sozinha. E la se foram 10 anos da minha vida que mal vi passar. Mantenho contato com todos, impossível deixar de ama-los. Desviei muito do que te falava, né? To voltando agora para que a casa onde passei minha adolescência não seja vendida. Não é mais meu lar mas é parte de quem eu sou. Foi morando la que tive a maioria das minhas primeiras experiencias. Bebida, sexo, amor, expectativas profissionais e tudo mais. Momentos ótimos e péssimos que passei morando sozinha com meus pais, todo o carinho e as brigas, para de repente parecer descartável para os mais velhos. Sei que pareço uma louca apegada a bens materiais, mas já perdi muito sabe? Tudo que me resta é a van e a casa para me lembrar das famílias que tive. E agora tem vocês, mas só até cumprirem o papel de passageiros e saírem da minha vida também.

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