"Artista"

- Infelizmente não posso morar num quadro, vestir-me de pinceis e me alimentar de tintas. Porém cada centímetro dessa enorme pintura que tenta comprar é parte de mim, quase minha massa cinzenta remodelada em azul. É possível me falar em valores? Em meio ao mundo do capital talvez o preço que me dê valha o equivalente ao carinho que anseio em receber. Olha, juro que te prender aqui não é minha intensão, já expressei minha decisão final de conservar meu orgulho negando sua oferta. A unica coisa que me impede de enfrentar o silencio é o medo da solidão. Se não te faço perguntas e mais perguntas ficarei aqui, sentada em minha arte e esperando o fim chegar.

- Tem certeza?

- Acho que certeza é a questão! Passei tanto tempo dedicada a morrer que me vejo hoje como uma iniciante nisso de buscar um futuro. O que acha de sentar, olhar a água e esperar mais um pouco o sol descer enquanto penso melhor? Sempre me disseram que sou uma artista. Nunca refleti de verdade se isso é um fato incontestável ou só uma concisão de mim. Mas o resultado é que esse pequeno quadro virou parte de quem acho que sou e troca-lo por um papel que representa mais incertezas é no minimo estupido. Mais estupido ainda me segurar a traços e cores em vez de procurar uma identidade de verdade. E se eu for mais do que uma pintora solitária? Minha solidão é tão confusa quanto minhas relações. Percebeu que não perguntei seu nome? Nem mesmo te deixei responder depois de gritar e disparar em palavras soltas. Sempre entro no meu mundo e talvez por isso nunca consiga decidir algo. Desculpa.

- Está muito tarde.

- Já vou dormir. Só me deixa terminar de lavar esses pratos. Boa noite, mãe.